Dorgival Viana Jr

Introdução

Recentes informações acerca de mensagens trocadas entre os Procuradores da República que atuam ou atuavam na Lava Jato em Curitiba e entre estes o então Juiz Federal Sérgio Moro sugerem uma relação informal, neste caso, entre Judiciário e Ministério Público.

Por certo, a imparcialidade dos julgamentos é valor constitucional importante, motivo pelo qual analisaremos as possíveis implicações penais e referentes ao processo penal de modo abstrato (vez que não há confirmação de conteúdo).

Adianto que não tratarei se o ex-Presidente Lula deve ou não ser solto (assim, se saber isto era seu objetivo, pode interromper a leitura).

Não caberia a análise específica de seu processo neste texto, nem eu teria elementos para tanto, vez que ainda não houve vazamento algum que – na minha visão – demonstre intervenção, influência indevida ou mesmo adulteração de evidências.

Assim, passaremos a analisar – ainda de forma genérica – possíveis consequências jurídicas para Procuradores da República, ex-Juiz Federal, condenados na Lava Jato e, por fim, ao próprio jornalista Glenn Greenwald.

A “prova” é ilícita?!

Segundo o The Intercept, cujo nome mais conhecido é o do jornalista Glenn Greenwald, o veículo recebeu conversas de meses e meses de um hacker que teria conseguido – de alguma forma – captar/interceptar/invadir o aplicativo mensageiro instantâneo Telegram.

A partir da informação do próprio jornalista, é certo que ofende o direito buscar provas por meio de invasões a aplicativos de mensagens ou a todo o telefone.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu em 2017 que (Resp 1.630.097):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. PROVA OBTIDA DE CONVERSA TRAVADA POR FUNÇÃO VIVA-VOZ DO APARELHO CELULAR DO SUSPEITO. DÚVIDAS QUANTO AO CONSENTIMENTO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE CONSTATADA. AUTOINCRIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESCOBERTA INEVITÁVEL. INOCORRÊNCIA. PLEITO ABSOLUTÓRIO MANTIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

A atitude que gerou a ilicitude no Recurso Especial que transcrevi é bem menor do que a invasão/captação indevida, assim é certo tratar-se de prova ilícita.

Estabelecida, assim, a premissa de que a “prova” é ilícita, passemos então a analisar – ainda de forma genérica – possíveis consequências jurídicas para os diversos atores envolvidos.

Consequências possíveis para membros do MPF e do Judiciário

Neste texto, consideraremos a eventualidade das conversas divulgadas serem verdadeiras, haja vista a credibilidade do jornalista Glenn Greenwald que, junto com o The Guardian, foi o responsável pela divulgação de documentos secretos do governo americano vazados por Edward Snowden.

Tratando-se de prova reconhecidamente ilícita, ela não pode ser utilizada para – praticamente – nenhuma finalidade lícita.

O ilegal não se converte em legal apenas por ser verdadeiro, sob pena de inversão dos valores que o Estado visa proteger.

Não pode o Estado adotar postura contraditória, vez que a privacidade das pessoas é valor constitucional indelével ao Estado de Direito e a Constituição prevê expressamente que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (Art. 5º, LVI).

Assim, o Estado – por todas suas vertentes – sequer pode inquirir sobre a existência de crime ou mesmo infração funcional, vez que as “provas” são declaradamente ilícitas.

Por esta razão, o atual Ministro da Justiça Sérgio Moro, o Procurador da República Deltan Dallagnol e os demais integrantes da força tarefa da Lava Jato não podem ser sindicados com fundamento exclusivo em provas ilícitas.

Isto significa que na opinião deste articulista, é inconstitucional a abertura de procedimento de apuração correicional contra os membros do Ministério Público Federal com base nas informações divulgadas.

Não é, no entanto, a opinião de pelo menos quatro dos Conselheiros do CNMP que oficiaram o Corregedor Geral do Conselho para esta finalidade, afirmando que:

“caso forem verídicas as mensagens e correta a imputação de contexto sugerida na reportagem, independentemente da duvidosa forma como teriam sido obtidas, faz-se imperiosa a atuação do Conselho Nacional do Ministério Público”.

Causa-me espécie que o Conselho Nacional do Ministério Público (que trabalha com todos os principais órgãos de persecução criminal do país) não se preocupe em abrir investigação apesar “da duvidosa forma” com que as conversas foram obtidas.

Os quatro Conselheiros que assim se manifestaram estão – em meu entender – a cometer uma ilegalidade dando validade a conteúdo ilícito.

No sentido que defendo, já há jurisprudência sedimentada pela imprestabilidade da prova ilícita no processo, inclusive o STF recentemente invalidou provas contra Gleisi Hoffmann pela invalidade do mandado judicial que foi emitido por Juiz de primeira instância (alegando investigação de fatos atribuídos a seu marido).

A forma de obtenção de informação a ser utilizada em processo importa e importa muito.

Possíveis consequências para condenados pela Lava Jato caso se comprove interferência específica e indevida (alguma ilegalidade)

Apesar do tratamento do tema até o momento, a doutrina majoritária excepciona a inviabilidade de utilização de prova ilícita quando a mesma servir à defesa.

Neste sentido, argumentam sobre o princípio da proporcionalidade que não admitiria a existência de “prova” a favor de pessoa acusada em processo penal sem que isso pudesse ser sopesado pelo Estado-Juiz.

A prova a ser utilizada em favor exclusivamente da defesa poderia – para quem defende essa tese – tanto se referir ao fato criminoso propriamente dito quanto a violação de alguma garantia.

Argumentam que não seria razoável/proporcional que um acusado fosse condenado e se sujeitasse às duras sanções de um processo penal se houvesse prova de sua inocência.

Pessoalmente, entendo que é possível a utilização a favor do réu, desde que a ilicitude não signifique a convalidação de violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, por exemplo, uma prova obtida mediante tortura seria sempre ilícita, mesmo quando favorável à defesa, mas em casos que a violação seja menos incisiva, seria possível a utilização eventual.

Desse modo, caso possa se comprovar a veracidade das informações trazidas pelo The Intercept entendo possível sua utilização pela defesa de acusados, desde que – por óbvio – contenha prova de que houve violação a garantia processual, adulteração de provas ou qualquer ato que tenha efetivamente trazido prejuízo à defesa daquele réu específico (o que, na minha opinião, ainda não ocorreu).

Mas e o jornalista Glenn Greenwald, pode ser acusado de algum crime?

Existem alguns crimes que proíbem a conduta de divulgar informação protegida por sigilo, por invadir dispositivo informático especialmente com obtenção de comunicações eletrônicas privadas, no entanto isso não significa automaticamente que o jornalista Glenn Greenwald e os demais do The intercept devam se sujeitar às sanções penais.

Isto deve ser analisado pela ótica dos fatos, de modo a buscar a melhor interpretação.

Primeiramente, precisamos relembrar que o sigilo da fonte é direito constitucional quando necessário ao exercício profissional, o que a nosso ver inclui o profissional jornalista.

Desse modo, o jornalista não precisa revelar quem invadiu (se é que invadiu) o celular (de quem?!) e revelou as conversas privadas.

Desse modo, em regra, o profissional jornalista não poderia ser acusado de violação de segredo ou informação sigilosa.

É preciso, no entanto, ressaltar que há investigação em curso que objetiva descobrir quem é o invasor (se é que houve invasão) e que divulgou os dados ao “The Intercept” e que é possível, eventualmente, se descobrir que houve participação ou coautoria do jornalista nos atos de invasão.

Assim, se o Sr. Glenn Greenwald invadiu o celular, pediu para alguém invadir ou mesmo incentivou a invasão antes do crime ocorrer pode responder na medida de sua responsabilidade na forma prevista do art. 29 do Código Penal.

A análise que faço é meramente especulativa, vez que baseado em vários cenários.

Assim, se não tiver relação com a invasão, entendo que o jornalista por nada responderá, se – no entanto – tiver invadido, pedido/contratado ou mesmo incentivado a invasão pode responder por crime do art. 154-A e seus parágrafos do CP.

Conclusões

A partir de todo o nosso texto, podemos concluir que:

Espero comentários, dúvidas ou mesmo críticas abaixo!

Forte abraço,

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